Minha Amiga R
- Doutora!!!
- Senhora Engenheira!!!
- Como estás tu, Minha Querida?
- [silêncio prolongado]
- Ok, estás a trabalhar. Bora lá tomar um café hoje?
- Tá bem...a que horas?
Como sempre C chegou atrasada. Vá, um ou dois minutos, os da praxe. Já lá estava, estacionada do outro lado da rua, em frente ao M&Y. Vi um lugar a vagar mesmo em frente ao café e pensei "Nah, não me vou mexer daqui. Vou fazer as delícias de C e deixá-la vangloriar-se por ter apanhado O lugar!". Terminei de enamorar-me pelo "That's Amore" de Dean Martin que passava no iPod (sim, porque C a estacionar é perfeccionista, isto é, demora século e meio e os pneus? Bom, esses têm de ficar colados ao passeio).
- Aí está ela! [o cumprimento habitual]
- Minha Querida...
- Apanhei um mega lugar!
- [risos]
Entrámos. O Café mais parecia um palco com tantos holofotes. Escolhemos um cantinho com sofás bem confortáveis. A Mercury esganiçava-se perto demais dos nossos ouvidos "U ÁMÔR DJI JULIÊTA I RÓMÊU". Vieram três empregados perguntar o que queríamos tomar. Resposta do costume "Aguardamos outra pessoa. Depois pediremos."
10 minutos depois aparece R. Vinha com um andar calmo e as calças do seu irmão de metro e noventa vestidas. Fiz um esgar cómico do outro lado da montra. Acenou discretamente, como aliás sempre o faz.
- R, tu estás a desaparecer!
- Impressão tua! [ironia disfarçada com sorriso]
É. Confirma-se. R vinha cansada de tudo e da vida, com aquele olhar triste e abatido, fazendo um esforço imenso para aparentar boa disposição. Sob a luz intensa, pareceu-me ver vincos profundos nos olhos e uma pele acinzentada. Tinha envelhecido 130 anos. Absteve-se de falar sobre ela. Perguntou por cada uma de nós.
Falámos, falámos, falámos. R e eu partilhámos um chá verde de menta e C? Bom, C o exagero do crepe com chocolate e gelado de baunilha. A luz baixou e o tom da música pareceu acompanhar.
Falámos, falámos, falámos. R comentava educada e pausadamente, sem nos interromper, com palavras de uma enorme sabedoria e pertinência, face ao tecer do enredo da minha vida e da vida atribulada de C. Só que C, como já tive oportunidade de vos contar, fala com o corpo. Toda ela é expressão. E eu? Nem sei. Gostava de um dia ser minha própria espectadora e poder avaliar com propriedade. Mas ontem precisei da verdade. E R resolveu a charada como se estivesse desvelada desde o princípio.
- Ilusão?!?! Não Permitiu?!?! Destruição?!?! O que tínhamos?!?!
- Então, tu foste a razão pela qual o casamento terminou...
- [desolação]
C tomou a palavra, tão espontâneamente como se adivinhasse a nuvem que se abateu sobre mim. C tem de facto um sentido apurado de oportunidade.
- Mas e tu? Eu quero saber de ti!
- Sim, nós queremos é que tu fales de ti! - acorreu a C em meu auxílio.
O trabalho. Muito exigente. Cada vez mais. Noites mal dormidas. Criatividade a ferros. Cabecear durante as reuniões. Diagnóstico: consultoria.
O amor. Muito exigente. Cada vez mais. Poucas palavras trocadas. Um constante moldar de "necessidades" à medida das demonstrações esparsas que vai tendo. Diagnóstico: logo eu que tenho resposta para tudo...neste caso, nem mesmo a grande I pode ajudar. Não conheço ainda o limbo entre a tolerência relativamente às diferenças e o respeito por si próprio e pelas suas próprias necessidades no seio de uma relação feliz.
R foge como uma enguia do confronto. Da exposição. Temos que escavar bem fundo, ser astutos para abrir a flor. Conhecêmo-la bem em privado. One on one. Temos de criar essa oportunidade maravilhosa de enriquecermos juntas. É uma benção tê-la incondicionalmente a nosso lado. A constância da dádiva que R me dedica é uma prova da Fé e Confiança que tem em mim e na minha força.
Ela dá. Tudo de si. E eu? Será que estarei sempre à altura? Tudo farei...
...para R e por R
3 Paradigma(s) do Outro:
Essa R é uma verdadeira Força da Natureza!
Tu estás sempre à altura. E se em algum momento não dás mais de ti, é porque não podes, é porque não é possível. Mas nunca deixas de tentar.
É por isso que te acho maravilhosa.
Três gajos vão beber um café, ou mais provável uma cervejola, e as conversas poderão ser sobre gajas, futebol, carros, ou trabalho. Nunca sobre os problemas mais íntimos que os assombram. Os gajos não expõem os seus sentimentos. Não uns aos outros. Não os confessam, não os partilham. Não a outros gajos. Vêem-nos como fraquezas. O mais próximo que poderão chegar a isso é dizer que até gostavam de “comer” certa gaja.
Para confidências o mais provável é termos uma amiga. Mas terá de ser uma amiga com quem não tenhamos a mínima ideia, ou vontade, de nos envolvermos. Já o ela poder pensar que até nos podemos chegar a envolver não constitui, na maior parte dos casos, impedimento.
Lógico que entre nós há excepções. Há sempre aqueles amigos. Mas entre elas é diferente. As amizades permitem maior proximidade, maior cumplicidade, maior partilha. E isso invejo-o, ou pelo menos lamento-o por não ser igual connosco
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