quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Isto que sinto


«Pediste-me que guardasse tudo aquilo que te quisesse dizer, que aquela não era uma boa altura para me ouvires e que nada que tivesse para dizer seria novo para ti. Foi o que fiz. Guardei tudo nestas linhas.

Podes parar agora, se não for a melhor altura para ti, mas a Verdade está cá. E para mim chegou a Hora.

Confesso que nunca teria olhado para ti duas vezes não fosse a tua insistência.

Confesso que houve um momento, quando te disse que gostava de música alternativa e tu enumeraste quinhentos nomes de bandas, houve um nome que me despertou, que me indicou que afinal não eras o idiota que eu sempre achei que tu eras: Hedningarna. Pensei: “Ah, mas muito bem, vamos ter luta!”.

Confesso que o dia da descida do Mondego mudou a minha vida.

Confesso que tinha prometido a V que, se ele fosse, eu o acompanharia na canoa.

Mas qualquer coisa me guiou até ti e eu simplesmente caminhei. Entrei naquela canoa e senti todas as minhas âncoras recolherem. Respirei fundo e remei. Pouco, confesso. Deixei-me guiar. Abandonei-me. E o meu espírito voou de mim. Senti essas asas de anjo protector envolverem-me num abraço. E senti-me em paz desde então. Finalmente em paz. Algo me disse: “Não precisas de procurar mais. Descansa porque achaste o teu porto seguro.”.

Confesso que desde esse momento, cada dia tem sido uma sucessiva ausência de mim. Pois que quando estou contigo, sou em ti. Inunda-me a calma da certeza de pertencer àquela hora e àquele lugar. E quando não estás comigo, povoas a minha mente.

Contudo, Isto que sinto não é paixão. Não sinto essa urgência de estar ao teu lado, não sinto o frio na barriga, não sinto o coração descompassado e até dou conta dos teus defeitos. Tenho consciência que nadamos em oceanos bem diferentes. Não estou cega. Mais: penso nunca ter estado tão lúcida em toda a minha vida. Uma vez juravas que eu estava apaixonada por ti e eu neguei. É a Verdade. Outra vez falaste no risco de me apaixonar por ti: esse risco é zero. Isto que sinto tem raízes mais profundas. Mas nunca escondi que sinto coisas que não consigo definir.

Isto que sinto por ti liberta-me. Não preciso de estar contigo para me saber na tua companhia. Nunca tive saudades tuas: estás sempre comigo.

Isto que sinto por ti acalma-me. O tempo para nós acontecermos será eterno. Hoje, amanhã, nesta ou noutra vida, mas acontecerá.

Isto que sinto por ti não me escraviza. Tu é que és cativo no meu ser. Longe, perto, nos Açores ou nos meus braços, a distância é sempre nenhuma.

Mereces saber que um dia alguém sentiu Isto por ti. Isto, que eu não nomeio, porque nem eu sei o que é, pois que nunca dantes o tinha sentido.

Anseio para ti aquilo que anseio para mim.

Não te quero sufocar, se eu própria preciso do meu espaço, tenho a minha vida, os meus amigos e as minhas lutas. Desejo remar contigo.

Não te quero prender. Desejo ser livre contigo.

Não te quero subjugar. Somos dois seres em pé de igualdade.

Não te quero magoar. Não esperes de mim que o faça para que tu sintas a intensidade do punhal e encontres na ferida um sinal inequívoco do teu sentimento, um sinal verde para a avenida que deves seguir, agora que te habituavas a circular na rotunda.

Aquilo que mais desejo é que escolhas livre e imparcialmente o teu caminho, mas que escolhas um. Estás à espera de um sentimento explícito e inquestionável. Compreendo. Sempre tiveste que sofrer para amar ou amar para sofrer. É-te particularmente difícil conceber uma relação isenta de dor e dificuldade, sem grandes sobressaltos.

Se há uma coisa que aprendi com a tua chegada é a de que os sentimentos mais sólidos e profundos nascem de um pedacinho do nada e crescem tão devagarinho que nem damos conta. Um dia espreitamos e é já uma árvore secular e esplendorosa, capaz de resistir às condições mais adversas. Good things in life come in small packages.

Por isso, não esperes de mim que te ligue 700 vezes ao dia (marcação cerrada), que me tente infiltrar na tua rotina (odeio rotinas), que mande em ti (odeio ordens), que te queira mudar (haverá beleza maior do que escolher ser assim), até tu não veres outra opção que não eu.

Isso é tudo o que rejeito. Eu não colo. Não quero influir em nada nas tuas decisões. E por isso, mostro-me muitas vezes indiferente quando aquilo que mais desejava era fazer-te um carinho, mexer-te no cabelo, abraçar-te e dar-te abrigo, roçar o meu corpo no teu e saborear cada pedacinho. Tenho sede de ti, P!

Quero que juntos sejamos um porto seguro. Quero para sempre que vivas livremente e nessa liberdade me encontres.

E é desta certeza que tenho vivido. É esta certeza que me faz acordar para mais um dia que não contém a nossa Hora. É esta certeza que me alumia nas noites mais tristes. É esta certeza que tantas vezes desejei não ter, para poder sair deste impasse sabendo que estou a fazer o melhor por mim. Porque para mim, desde o Mondego não existe outro que não Tu. A espera não mata mas mói.

Vejo-te hesitante. Falta-te a coragem. Avanças. Recuas. Destabilizo-te: lê-se nos teus olhos. Mas só tu duvidas disso. Tornaste-te transparente aos meus olhos.

Sabe-o: estarei sentada num banquinho de jardim ao fundo dessa avenida que tu vais escolher. Quero ver-te chegar, com essa cadência tranquila de andar. Olhar nos teus olhos e sentir a tua Verdade. Quero que te sentes ao meu lado. Quero ficar em silêncio. E assim permanecer até escutar o meu canto ecoar em ti.»



Isto que sinto foi imortalizado em Fevereiro de 2004. Nunca foi consumado. Poderia ter vivido a vida inteira amando P platonicamente. E pior que isso, em silêncio.


Ler-se o espelho de quem fomos oferece-nos a noção do que nos é intrínseco, essencial, por conseguirmos desenhar o fio condutor. Na minha essência reside a extraordinária capacidade de me guiar vendada pelo transcendente intangível dos seis sentidos muito mais do que pelo GPS algorítmico do intelecto.


Hoje P é apenas uma sombra do homem que amei. Envelheceu. Perdeu o brilho daqueles olhos de musgo. Sabemos um do outro através de amigos comuns. Sei o quanto sofre. Sei que tem saudades. Muitas. Sei que me admira. Ainda.


Não sinto nada por ele. Nada. Nem ódio nem amor. Nem saudade nem perdão. Nem arrependimento ou compaixão. Tudo o que era dele morreu em mim.



1 Paradigma(s) do Outro:

Unknown disse...

Parabéns pela coragem de confrontar o passado e avançar. Há pouca gente com essa coragem.

fica bem