quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Faleceste um pouco...


Quando saí da Associação Recreativa quis apagar muitas coisas do meu passado. Lá ficaram as palavras que trocámos. As faces que me faziam recordar-te. A janela por onde tantas vezes espreitei e cujas paisagens, ao sabor dos meus sentimentos, eram tristes ou felizes.


Pensei que a pouco e pouco falecesses. Não pensei mal. É um alívio não jogar à defesa todo o tempo. Não esconder a minha tristeza sempre que falava com este ou aquela. Não lembrar do segredo em mim que sou Eu. E Tu em mim. Nunca Nós.


Faleceste um pouco.


Não tenho uma imagem nítida do teu rosto, embora não possa dizer o mesmo das tuas mãos. O odor retido nas minhas, como pétalas. A minha imagem no espelho do teu olhar.


Faleceste um pouco.


Ainda sinto o teu sopro na base da minha nuca. Talvez por isso e pelo calor que isso me traz apanhos os meus cabelos every now and then. Nunca mais os meus cabelos serão apenas um conjunto de fios.


Faleceste um pouco.


Se não soubesse que vives, se te pensasse morto e morto estivesses, continuaria a sentir. Menos mas tanto ainda.


Faleceste um pouco.


Sempre que acordo com os ombros frios penso "Aí tens!". E rio-me quando d'antes chorava.


Faleceste um pouco.


Tudo o que foi feliz e depois triste, com o tempo, passa a ser-nos querido. Não há já espaço para o ódio. Apenas gratidão por vivermos ambos com um fragmento do Outro. Um fragmento onde nos agarramos ambos como tábua de salvação, caso não tenhamos reforços para nos salvar deste naufrágio.


Faleceste um pouco.


Visitas-me em estranhos sonhos, and yet providos de sentido. Conversamos muito, tu e eu. Mudos, não sabemos ler nos lábios: lemos o olhar e tudo desvendamos por conhecermos a Alma.

Faleceste um pouco.



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