sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O Céu é o limite?


Ouvido de tísica talvez. O seu ouvido está afinado às variadíssimas frequências a que o som se propaga no ar, das maiores às menores. Sobretudo se esse mesmo ar for todo dela. Quem diz ar, diz tempo. Quem diz tempo, diz espaço.



Sentiu o elevador subir ao ribombar descompassado do músculo. Rodou a chave, expectante.
- Que querida! Tu trancas-te! [Com ar de miúdo trocista]
- [Silêncio. Cala-te!]


Silenciou-o. Agarrou-o pela gola do casaco e beijou-o como se amanhã nunca viesse. E amanhã nunca chegou, mas ela ainda não o sabia.


Atirou-lhe o casaco para o fundo do abismo, sabendo que se desfazia de um colete à prova de bala. Desejava atingi-lo bem no centro, bem no meio daquele coração com uma bala que lá se alojasse e nunca mais de lá saísse. Era uma vez uma gravata. Tacteou o inimigo seguinte: a camisa. Em compasso de espera, já não sentia os seus tentáculos em forma de mãos. Não entendia.
- Botões de punho.
- [Diz antes algemas! Não tenho a chave! Temos pena!]


Tantas décadas depois ainda se lembra do toque suave da seda daquela camisa de riscas verdes, amarrotada agora nas suas mãos.


Abraçou-o, com os braços e as pernas da alma. Ardia. Queimava. Sofria uma agonia indelével. Devia chamar-se desejo inexorável, mas não sabia. Raiva, talvez. Não o sabia ainda.


Queria fazer parar o tempo. Queria livrar-se do fogo que a consumia. Sentiu no escuro a mesma procura, a mesma entrega, como se tivesse descoberto parte de si perdida no mundo. Como se tivesse sido achada.
-[Toma tudo que é teu.]

Ele tinha o dom da omnipresença. Sentia-o em todo o lado, dentro e fora, esquerda e direita, no hemisfério ou fora dele. Impossível seria não o sentir, pois que ele nasceu para a arte dos sentidos. Torturaram-se mutuamente, com beijos que doíam e costas cravadas de ternuras e nucas decepadas de cabelos. Palavras loucas disparadas em flecha sobre a sua memória.
- Sabes tão bem.
- [Se te pudesses provar a ti...]


Ele tinha o dom da palavra. Sabia sempre o que dizer, mesmo quando nada dizia. Ela desejou ardentemente saber acompanhar. Dizer. Eternizar. Como poderia ela articular palavra provida de sentido? Estado de choque. Emudeceu. Falava mas os sons não saiam. Falava em suspiros indecifráveis. Falava em olhares das saudades que já sentia.
- Tens uns olhos tão bonitos. E a boca...
- [Se tu olhasses os teus a olhar os meus...]


Ficaram enroscados num tempo que lhe pareceu eterno. Ela pousou-lhe a mão sobre as costas de veludo. Contou-lhe as vértebras em segredo, para ver se ele era mesmo humano.
- Tens as pernas tão suaves...
- [São as tuas mãos que o sentem...tudo depende do amor que trazemos nos gestos]

Pensou, vezes sem conta, ou pelo menos tentou, tal era o nó que lhe ia no cérebro, em qualuqer coisa que pudesse espelhar aquilo que lhe ia na alma. O coração? Bom, esse estava perdido para sempre. Nunca mais o achou. Talvez, se o tivesse encontrado, tivesse tido a clareza de espírito de falar com a voz do coração. Interrompeu os seus pensamentos.
- Vou fazer a única coisa que tu não gostas em mim.
- [Confusão. Estás a delirar? Haverá alguma coisa em ti que eu não venere? Enlouqueceu...]
- [Silêncio prolongado, sorriso trocista]


Assomou-se à janela na companhia esvoaçante do fumo do seu cigarro, in her shoes. Oxalá ela pudesse resgatar aqueles pensamentos na Pensieve e poder vivê-los agora. Enquanto isso, ela demorava-se nos seus pensamentos, que pareciam retornar como filho pródigo sempre que ele se ausentava.
- [Mas quem é a louca que deixa fugir este tesouro?]


Outra pessoa que não ele voltou daquela janela.
- Qualquer relação que tenha agora é para queimar...
- [Está na hora da despedida, bem sei! Vai e vive o que tens de viver... Um dia saberás que devias ter ficado...]


Porque o estar tão juntos nunca chegou.
Talvez na eternidade...












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