domingo, 28 de setembro de 2008

Existir


Começa a notar-se. A ser demasiado evidente. Já nada do que faço parece ter sentido. É como se, de repente, me tivesse transformado numa marioneta.


Acordo antes do despertador. Na verdade, já não durmo uma noite de fio a pavio há cerca de dois anos, nem à força do comprimido. Acordo estafada, com a sensação de ter dormido uma horinha. Faço os meus cereais, trago-os para o sofá, e como-os enquanto vejo uma qualquer série de cócegas na televisão. Levo a taça, passo por água, coloco na máquina. Lavo os recipeintes de comida e água da Luna à mão. Ponho-lhe água fresca e comida todos os dias. Preparo-me com cuidado para ir trabalhar. Duche a atirar para o gelado (se não, nunca mais saía da banheira), creme no corpo, desodorizante, 3 ou 4 esguichadelas de Bright Crystal. Nunca repito a "farda". Calço os meus saltos, troco de mala, que uma Laide não sai de casa sem combinar sapatos e mala. Para verem o meu estado de debilidade, a semana passada esqueci-me duas vezes de colocar uns brincos nas orelhas.


Olho para o relógio e já devo estar atrasada. Depois é que penso "Mas atrasada porquê? Por acaso tens hora de entrada, como o trabalhador da linha de produção?". Mas sim, no meu entender, estou atrasada. Entro primeiro que a minha equipa e saio sempre depois. Não há Liderança sem Exemplo.


Desde que o povo voltou de férias que o Eixo N-S está caótico. Fila quase desde casa. Meia horinha de caminho, passando sempre pela paisagem tão bonita do Tejo e o Cristo-Rei a dar-me a sua benção diária. Meia horinha que daria para pensar em tanta coisa. E eu, só penso em ti. E não vás tu pensar que é de agora, eu acrescento que o faço desde a primeira noite em que te conheci. Uns dias, entre pensamentos, parto-me a rir com o Pedro Ribeiro (sou fã dele, sempre fui), outros há em que só me apetece uma musiquinha bem disposta, outros ainda em que só me apetece ouvir dos meus cd's e pensar em quem? Em ti, pois.


Chego ao portão do "Estaleiro", cumprimento a Segurança da portaria (que é muito mais que uma simples Segurança, é uma pessoa com um rosto e com um nome que me pediu ajuda há uns tempos para entrar na faculdade). Na altura, pensei "Com tantas pessoas que esta moça conhece há mais tempo, e é a mim que ela se dirige na maior das humildades...". Estaciono o carro no primeiro lugar que estiver vago. Tiro a mala com o computador e a minha mala de mão. Fecho o carro. Ponho-me a andar. Aqueles 2 minutos até chegar à porta dos escritórios sabem-me a pato. O vento bate na minha cara ou o sol aquece-me os ombros. Qualquer coisa de real acontece naquele caminho. Quando penso que posso ter um e-mail teu à minha espera, acelero o passo. Cumprimento todos os que encontro pelo nome. Subo a escadaria, cumprimento os colegas que já lá estão. Organizo o estaminé. "Monto" o computador, organizo o espaço. O caderno sempre à direita do computador, a caneta ao lado do caderno. À esquerda, o telemóvel sem som para não incomodar e o telefone fixo para estar pronto a atender. Levanto-me. Vou encher a minha garrafa de 1,5 l ao "garrafão-mor". Tiro o casaco. Ligo o pc. Primeiro mails pessoais. Depois blogues. Depois horóscopo do dia. Uma superstição parva que sempre tive, mas que não consigo largar. Podemos considerá-la o meu guilty pleasure. Depois mails de trabalho. Organizo as prioridades. Começam a chover telefonemas. E-mails. Bah. Prioridades furadas.



Nos dias de muita sorte, e-mail teu. Pára tudo. Pá-ra tu-do. Coração descompassado. Respirar ofegante. E era apenas um pequeno nada. Mas um Nada que é para mim Tudo. Sinto. Tento pensar. Organizar as ideias e responder. Respondo-te sempre com um sorriso nos lábios. Mas tu não sabes. E penso até que nemsequer adivinhas. Pára tudo. O tempo fica suspenso. Pára tudo.


Começo o trabalho que organizei por prioridades. Embrenho-me de tal forma que às vezes estão a falar comigo e eu nem ouço. Gosto muito do que faço. Mas gostava de gostar ainda mais.


Liga-me sempre à mesma hora, a minha Irmã. Quando sai do carro e começa a caminhar em direcção à Torre. Organizamos o nosso dia, se vamos ou não ter uma com a outra no final do dia em casa da Mãe, se vamos almoçar as duas, se vamos às compras a seguir ao trabalho, onde é que vamos jantar. Conto-lhe o que fiz na noite anterior. Com quem estive, as partes engraçadas as novidades. Não sei o que seria de mim neste mundo sem a minha Irmã. Por isto e por tanto mais que não sei dizer. E por isso não digo.


Trabalho. Trabalho. Trabalho. Sempre com o mesmo afinco. Chega a hora do almoço. O fim do mundo para mim.


É raro ter companhia. Vou ao shopping. Leio o meu livro enquanto almoço o que me apetece. Agora já se tornou um hábito, mas é a coisa que mais odeio, é comer sozinha, não ter ninguém com quem conversar enquanto almoço. Seja de trabalho ou do mundo. Mas não trocar palavra a não ser "O que vai beber?", "Uma água, por favor", "7 euros e 55, por favor", "Não tem cinco cêntimos?", "Não...", "Obrigada", "Bom apetite". Não sei se eles sabem, os empregados, mas são os meus melhores amigos à hora do almoço. E isto é tão triste. Um mundo onde não posso conversar. E isso cansa-me.


Por mim passava o dia à conversa. Ou então calada e sozinha.


Volto. Trabalho. Trabalho. Trabalho. Telefone. E-mails. Sufocos para resolver.


Cansada, decido por um termo à jornada do dia. Caminho a passos largos para o carro. Outra vez o vento. Tão bom. Caminho para Casa. Ou minha ou dos Pais, mas é sempre Casa. Uns dias, Casa Minha para banhoca revigorante, creminho, sair logo de seguida vestida "à civil", para um encontro. Amigos. Não tão amigos. Conhecidos. Pretendentes. Chatos. Melgas. Interessantes. Outros dias, jantar à dos Pais, com brinde "sobrinho" à minha espera, normalmente com a birra do sono, difícil de aturar, mas ainda assim, uma ternura.


Casa. Séries. Carinhos intermináveis trocados entre a minha Luna e eu. Bolas, quando dou por mim, já é tarde. Tenho de me ir deitar. E o sono que não chega. Porquê? Porque estou "contigo".


Dormes comigo desde a primeira noite. Acordas comigo. Passeias comigo. Falas comigo.


E eu sinto-me tão cansada. Cansada de esperar. Cansada da minha rotina. Cansada por canalizar toda a minha energia para a Fé que tenho em Nós. Eu diria até esgotada, mas depois o amanhã vem e a minha Fé volta a sua labuta, qual formiguinha trabalhadora. Esgotada porque O Dia nunca mais vem.


O Dia em que me vais deixar fazer coisas tão simples, que o povo todo faz e que eu anseio também por fazer, mas contigo. E se não for contigo, então não quero fazê-lo com mais ninguém. E, nota, não é teimosia ou capricho. É que nada tem o gosto que tudo ganha quando estamos juntos. Ninguém me fala ao coração como tu, e tu nem sabes que o fazes. Ninguém me abraça sem me tocar como tu. Ninguém faz poesia com o olhar, como tu. As estradas parecem caminhos talhados para nós passarmos. Os lugares ficam vazios quando lá estamos ambos. O tempo fica suspenso. Eu não envelheço. Nem tu. Ao invés, ganhamos anos de vida.


E pior. Já não sei se tudo isto existe ou se sou eu que vivo uma vida paralela, num mundo paralelo, onde tudo é talhado à medida da minha imaginação.


Já não sei...


Cansaço cura-se com consolação? Ou com existência?

















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