Estropício n.º 3
Hoje invadiu-me a vontade de fazer a boa acção da semana. Peguei no téréré, liguei aos "Helicópteros" e perguntei:
- Oláaaaaaaaaa. Bora ao Ikea buscar a célebre estante?
- Hoje?!?!
- Sim, hoje. Porquê?
- Nada. Vamos sim.
Combinámos os pormenores práticos do encontro.
Fui buscar a donzela a casa. Estava sem muita paciência quando lhe liguei para ele ir descendo, porque ele vai e pergunta:
- Mas estás em que entrada?
- Como em que entrada? Só conheço uma e estou nessa... [as if a Laide pudesse estar na entrada dos serviçais]
- Ah, é que há duas e eu nunca sei...
- [pois agora ficas a saber]
Apareceu. N'A Entrada. Sorriu. Pela primeira vez na minha vida, achei-o bonito. E percebi logo porquê...
Sentou-se na minha bomba e queria cumprimentar-me mas eu gerei uma confusão à sua porta e estava um verdadeiro engarrafamento. Seguimos e, mais adiante, aproveitámos um sinal vermelho para trocarmos beijos na face, muito carinhosos, como de costume...
- Olha, já tens fome ? [please, please, please]
- Sim, podemos ir já jantar, se quiseres. [cavalheiro como sempre]
Antes, passámos só pelo meu Banco para depositar um presente de Papai, que me vai dar imenso jeito quando for a Madrid e quiser trazer de lá um daqueles presentes dispendiosos com que adoro mimar-me quando viajo. Fica de recuerdo e fica para sempre.
Passou-me de imediato para o lado de dentro do passeio, não sem antes colocar a sua mão perfeita na minha cintura (coisa que eu odeio que me façam e ele sabe, que eu cá tenho a minha bolha). Engraçado como até isso muda quando estamos com Aquela pessoa...
Abordei-o, trocista:
- Com que então a seguir os meus conselhos sábios?
- Quais conselhos, Minha Querida? [sonso]
- Camisa aberta e sem t-shirt por baixo, mangas arregaçadas...
- Já há algum tempo que o segui, mas como a Menina ainda não me tinha dado tempo de antena não pode aproveitar...Mas a Menina gosta, é?
- Ficas com um ar muito mais fresco...e esse bronze fica-te a matar...
- Foi do Rally...
- Não me digas que voltaste às competições?!?! [contente da vida]
- Não...foi o helicóptero-ambulância destacado...
Vi de imediato que a pergunta foi inconveniente e perturbadora. Queria o efeito oposto. Ele costumava correr como co-piloto do Pai, que já faleceu faz uns aninhos largos. Mas enganei-me quanto ao clima:
- Olha, vai haver aí umas provas...um dos organizadores muito amigo do meu Pai convidou-me, e eu gostava de te levar...
- P, esquece, eu ia lá agora passar um fds inteiro aos saltos dentro de um jipe contigo?
- Pois, tu não és desse tipo...
- Não, eu até sou desse tipo, mas tinha era de estar perdidamente apaixonada por ti...
- [riu-se com aqueles olhos reluzentes]
Fomos a um restaurante em Telheiras totalmente despretensioso, que eu com ele ando sempre a evitar sítios românticos, não lhe vá dar ideias inatingíveis, o Espai Café. Eu pedi um risotto de cogumelos selvagens e ele o tradicional bife à Portuguesa. Odeia variações. Bebe sempre água fresca (Verão ou Inverno), come sempre o mais simples que o menú tiver. Eu já faço apostas mudas em como sei o que ele vai pedir. E sim, ele nunca me surpreende.
Falámos, rimos, partilhámos garfadas suculentas (mais ele que eu, porque risotto é muito à frente e "parece que leva queijo").
Fomos ao Ikea. 2ª circcular caótica. Fomos por Belém. Ele adora ser passeado.
Chegámos. Só me lembro que preciso disto e daquilo e daquele outro quando lá estou. Tão querido, ia carregando com tudo nos braços, apesar do meu protesto. Às páginas tantas, vejo ao longe aquilo que me parecia ser a figura do Estropício n.º 3 ao telemóvel. Fiquei parada.
- Olha, acho que vai ali um dos meus ex [comento]...
- Queres que te abrace?
- Claro que não! [está doido, fazer ciúmes ao ex é tão estúpido como beber água destilada]
- Oh, rapariga, aquele ali do fato azul escuro?
- Esse mesmo. É ele...[só pelo andar]. Não o quero ver por isso vai andando que eu escondo-me atrás de ti [afinal ele tem mesmo um belo de um metro e oitenta e três]
- Mas porquê?
- Porque jurei-lhe que ele nunca mais ouviria o som da minha voz na vida, porque nunca mais lhe atendi o telefone, nem respondi às suas constantes sms's e postais de Natal.
- Mas porquê?
- Porque ele me traiu. [saiu-me]
- [engliu em seco] Ui. Já vi que isso deixou marcas.
- Não foi a traição, foi a mentira. Não teria deixado marca tão profunda se ele não tivesse terminado comigo porque, ah e tal, estava confuso, não era eu, era ele. A mentira é que me deixa irada. Podia perfeitamente ter-me dito que, enquanto estava a trabalhar na Bélgica e me dizia que ia passar o fds com uns amigos a Amesterdão (com o meu total apoio), andava na realidade em Amesterdão (esta era a parte da Verdade) mas com um camafeu-colega-lá-da-consultora-seguramente-menos-exigente. Teria eu compreendido melhor. Ah, e não teria perdido o meu precioso cabelo, meses de sono e idas ao psicólogo para aliviar a depressão.
Olhou para mim, incrédulo.
- Como é que uma mulher como tu é traída?
- [Encolhi os ombos. Na realidade, ninguém está livre disso, seja-se a Mulher mais Perfeita do Mundo, seja-se a Menos Perfeita]
No finalzinho da nossa volta pelo Ikea, não é que o estropício fica mesmo de frente para mim, e me cumprimenta com um educado "Olá, tudo bem?".
A minha vontade era ter respondido "Agora que te vi, já não.". Aqui a Laide coloca o seu melhor sorriso e responde "Tudo bem". Quebrei a minha jura. Mas não me senti menor por isso. Afinal, ele é NADA para mim hoje.
Apeteceu-me escrever isto para que fique para a posteridade uma das coisas que aprendi com este n.º 3:
Nunca confiar num homem confuso. Eles também não confiam em si próprios...
1 Paradigma(s) do Outro:
"- Não foi a traição, foi a mentira."
Concordo a 100%!
Lealdade vs Fidelidade.
Mesmo que nos traiam, que ao menos nos respeitem assumindo cara a cara que já não lhe significamos a mesma coisa.
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