quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Aniversário de Papai


Ontem, como o "títalo" indica, foi o dia do aniversário de Papai. 64. Está fresco que nem uma alface! Ainda fica ofendido quando passeia o meu sobrinho e lhe perguntam "É o avô, não é?" ou quando exclamam "Carinha laroca" e ele fica a pensar se estarão a falar da dele ou da do neto...


Modéstia à parte, o meu querido Paizinho ainda consegue ser uma estampa, um figurão de homem. Quando era novo, devia ser o fim do mundo! Pelas fotografias até dá para perceber, mas uma coisa é ver uma imagem suspensa no tempo, e outra bem diferente, é ver a graça com que se movem as pessoas, com que falam, a sua aura.


Confessou-nos ontem, pela primeira vez na vida, que se sente novo ainda e cheio de vida. Há uns tempos atrás, quando a doença veio, afundou-se numa depressão profunda, achando que tinha poucos anos mais de vida pela frente. Dizia e fazia tudo como se fosse a última vez. Era uma tristeza só! Atirava-nos a todos para um abismo. Com muita ternura e alguma (pa)ciência, desvalorizei sempre aquela visão derrotista.


Viveu mais 6 anos com um coração a bombear 20% e uma dose diária elevada de droga. Agora sente-se confiante. Consegue driblar a doença, mas cuida-se muito. A única coisa que ainda não conseguiu abolir foi mesmo o pão. O pão na mesa de qualquer algarvio que se preze é coisa que nunca pode faltar. E daquele. Só pode ser daquele, do alentejano.


Tenho muito do meu Pai. As regras. O raciocínio. A lógica. As piadas rebuscadas e súbtis. As mãos e os pés. A responsabilidade. O espírito de sacrifício. O conduzir seguro. O sentido de família e do dever. A disciplina. Agora, o auto-controlo das emoções é todo de minha autoria. Ele é perfeitamente o contrário. Se está zangado, tem uma expressão de zangado. Se está contente tem uma expressão absorta (raramente esboça um sorriso). Se está nervoso, percebe-se pelo tom alterado de voz e pelo reboliço que isso cria em todos à sua volta.


É uma figura.


Mas eu amo-o. Muito. Nunca lho disse.


Pode ser que agora que se reformou, possa vir espreitar-me aqui e (re)conheça uma filha que não sabe que tem, simplesmente porque não consegue ver para além do óbvio. Ou simplesmente, por ser demasiado orgulhoso para confessar o seu amor também pela minha fragilidade.


Quando discutimos (confesso, mais do que devíamos), incuto-lhe sempre o colocar-se do outro lado e pensar. É incapaz de o fazer sem ser guiado por mim. Não ouve mais ninguém.


Com ele, a face que mostro é sempre a da razão. E de racional, tenho tão pouco...








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