Há quase um ano que sinto que A me olha com aquele olhar brilhante que nos faz sentir especiais e únicas.
Sinto-o. Sei-o. À parte os momentos em que estamos em grupo e em que ele tenta disfarçar, torna-se ainda mais evidente. Quando estamos sós temos conversas muito profundas sobre sentimentos confusos com os quais não sabemos lidar. Vamos lidando e aprendendo. Parece uma pessoa diferente quando estamos juntos.
É uma pessoa extremamente simpática ao primeiro contacto, daquelas que constantemente exibe um sorriso de dentes perfeitos e alvos. É um apaixonado por desportos ao ar livre, de preferência radicais. Conduz sem pressas e educadamente, como quem não tem nada a provar a ninguém. Aprecio isso.
Tem uma filha linda mas selvagem. A única. A preferida.
Chamo-lhe carinhosamente o "toca e foge". Nuns meses, enche-se de coragem, quase sangra, e timidamente convida-me para um programa a dois. Vou aceitando umas vezes, recusando outras. Hoje vamos ao cinema.
O cinema é um convite que em termos de relações amorosas apresenta alguma criticidade. Para mim, é quase uma prova de fogo.
Já que ele convidou, dei-me ao trabalho de procurar vários filmes em várias salas de cinema de Lisboa, perto de nossa casa. Sim, é meu vizinho. Sempre que estou doente, oferece-se para me fazer um cházinho, ir à farmácia, levar-me ao hospital. É (ou aparenta ser, que isto com os homens nunca se sabe ao certo) o que se pode chamar de "um querido".
Anyway, tive o cuidado de escolher diferentes tipos de filme e diferentes realizadores. Pedi-lhe que escolhesse. Coloquei estrategicamente disfarçados na ordem do e-mail os dois que mais gostava de ver "Sweeney Todd" e "PS I love you". Ele escolheu "Duas Irmãs, um Rei" e acrescentou que os últimos não lhe diziam muito. Honestamente, não esperava outra coisa. Por isso, não houve lugar à desilusão. Encolhi os ombros e pensei "Que seja!".
Ora bem, minhas caras amigas, leitoras e confidentes, como é que querem que realmente me apaixone por um homem que na sua essência não entende a beleza de um filme como os do Burton? Não sei se me entendem. Talvez nunca entendam.
Não é o Burton que está em causa. Nem os gostos de cada um. É o demonstrarem ser "carneiros", vítimas da globalização. E não serem suficientemente humildes para se deixarem levar cegamente para outras realidades. Outros acordes. Outras emoções. Há dias que faz bem ir ao cinema para as cócegas. Mas Cinema? Cinema é outra coisa. Cinema é uma prova de fogo na minha teia.
Aquilo que quero dizer é que só conheço duas maneiras de estar com alguém: ou me apaixono ou aprendo a gostar. Visto que a primeira não aconteceu (sabe-se lá porquê, mas não há espaço no meu coração para amar loucamente duas pessoas ao mesmo tempo) e a segunda não é coisa com a qual me contente (não sou pessoa de me conformar), como é que têm a coragem de me dizer ainda assim que tenho que fazer um esforço e sair e conhecer e ir namorando e ir beliscando, que é um desperdício o estar sozinha, que não entendem, que eu sou mas é teimosa. Talvez no fundo, achem que me sobrevalorizo, que não desço do pedestal para fazer o que o comum dos mortais faz. Talvez até pensem que não passo de uma convencida.
Minhas amigas, não tenho feitio para perder o meu precioso tempo e para cometer a maldade de fazer perder o tempo às pessoas, para as enganar, desiludir.
Minhas Queridas, uma premissa: não me apaixono facilmente. Não é por qualquer um. Não há fio condutor entre eles. Cada um é mais diferente do anterior. Não, talvez até haja um fio condutor: o da anormalidade, no sentido de diferente da norma. O da excentricidade. O da extroversão (por vezes apenas aparente). Mas cada um tem uma marca. Uma marca forte, como que uma cicatriz na testa em forma de relâmpago. Uma marca que eu reconheço instantaneamente sem nunca ter trocado palavra. Uma marca que guia todos os meus passos.
E sim, sou Intuição. Há quem diga até que é um desperdício uma mulher tão inteligente (dizem eles, que eu engano bem) usar tão pouco a cabeça. Não sou mais frágil por isso. Não me sinto menor por causa disso. Muito pelo contrário, orgulho-me por viver segundo paradigmas que não se vêem, não se deduzem, não se provam, não se sustentam, não se demonstram como teoremas e corolários.
Aprendemos que é a racionalidade que nos distingue dos demais animais. O polegar oponível. Sermos os únicos mamíferos que caminham erectos.
Cá para mim, they're all wrong. Há muito por desvelar neste mundo mas que ainda não foi provado. A beleza da coisa reside precisamente aí. Quando se provar que afinal somos mesmo alminhas que vão habitando corpos sucessivos ou que quando morremos a nossa alma vagueia junto de quem mais amamos (mortos ou vivos), os fenómenos extrasensoriais serão apenas e só mesmo isso: fenómenos quantificáveis.
Hoje vou ao cinema numa tentativa forçada de me contentar. Irei agir contra o sentir. Chegarei deprimida a casa. Com vontade de chorar. Humilhada. Tudo isto apenas para vos dar o benefício da dúvida...How's that for a humble attitude?
...para mais uma vez chegar à conclusão que o que é bom para vocês não funciona comigo...
Honestamente, espero estar tão enganada; A tem tudo para ser O Companheiro.
Mas porque é que não é?