sábado, 28 de fevereiro de 2009

Sentimentos Kafkianos


Numa festa organizada pela minha galega preferida, confessei-lhe que gostava muito de ler qualquer coisa em “espanhol” por achar a língua bonita e musical. Foi buscar-me este livro à sua biblioteca pessoal e entregou-me com tanta reserva, como se me estivesse a emprestar a pregadeira que herdara de sua avó.


Bastou um serão de um qualquer dia da semana, uma horinha numa sala de espera e mais outro serão para terminar de ler aquele que, a par do Principezinho, é para mim o melhor livro de histórias infanto-juvenis que já li.


Franz Kafka y la muñeca viajera do catalão Jordi Sierra i Fabra fez as delícias da menina que ainda existe em mim. Quis ser outra vez pequena, a Elsi de Kafka, só para que alguém cuidasse com tão extremosa dedicação da minha imaginação, do meu consolo. Mas a mim, nem na idade de Elsi me viram chorar tão desconsolada. Os meus momentos de desespero sempre foram guardados, ora no nó que cedo se formou na minha garganta, ora na mais profunda das tristezas choradas at night time under the sheets.


E na senda de Kafka peguei n’A Metamorfose. Demorei apenas uma tarde de “entremeada” entre a sesta mais deliciosa à torreira do sol algarvio e as páginas deste livro. Li-o na perspectiva literária e não filosófica.


Normal. Achei-o normal, sofrível até, não fosse pela belíssima ideia de colocar uma mente humana aprisionada num insecto nojento no lugar de narrador. Prometo que irei procurar referências da filosofia para saber o que é que de facto me escapou. I’ll let you know.

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Já sei o que foi. Com que então, a ideia era sublinhar a metamorfose de sentimentos que acompanharam a metamorfose física de Samsa, quer a sua própria, quer a dos seus familiares, aos quais, Samsa, com o suor do seu trabalho esgotante e exigente, proporcionava uma vida plena de confortos?


À medida que a esperança de melhoras desvanece, a trama descortina uma série de sentimentos de crescente repulsa, até à catarse, onde todos anseiam por ver-se livres do insecto, já não do seu tão amado filho e irmão.


Kafka, no ensejo, ainda salienta os malefícios do capitalismo dos afectos.


Tudo se compra. Não era isto que me querias dizer?

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