A próximidade entre as pessoas instaurou-se em simultâneo com a banalização das telecomunicações. E a rapidez do mundo em que vivemos desculpa tudo: o mau português, as abreviaturas, os mal entendidos, os amigos que não conhecemos mas que residem do lado de lá do Messenger, do hi5, do Google Talk.
E eu resisiti muito e durante muito tempo. O telemóvel foi inevitável. Cedi a uma ligeira pressão familiar que colocou nos pratos da balança:
- Ou carro e telemóvel ou nada!
- Pronto. Mas só para receber chamadas.
Um amor imenso que vivi e que se iniciou numas belas férias de Verão, obrigou-me a ceder à minha resistência em enviar sms. "Eu cá sou rapariga de carta", dizia eu. Verguei-me. Até hoje guardo, in my little black book, o rico conteúdo daquelas sms que me despertaram esse amor e a Fé no senhor meu Deus. Ah, mas também recebi uma carta...em 3 anos. Foi uma pequena vitória! Pronto, muito pequena.
Entretando já galguei muito caminho. Primeiro o mIRC, depois o msn, seguido do hi5 e, por último, o Google Talk e o sKype.
Mas por Deus, sempre conversei com pessoas que conhecia na vida real. Até ao dia.
O dia chegou em que, no hi5, um poema lindíssimo "Juntar-me tanto a ti" me foi enviado que reza assim:
«Juntar-me tanto a ti que és de meu sonho origem
E em mil segredos ternos,
Saber que no calor desse teu corpo virgem
Floriam meus invernos.
Ir-te dizer ao ouvido: “-Escuta, eu sou escravo
Mais triste que um refém;
Pois quando meu olhar nesse teu rosto cravo
Não vejo mais ninguém.”.
Sentir-me ao pé de ti subida labareda...
Sentir-me tão feliz
E ouvir romances sãos que o coração segreda
E a boca nunca diz.
Saber que posso andar p’lo mundo, senda em senda,
P’la terra e p’lo céu
E nunca encontrarei um rosto que me prenda
Como esse me prendeu.
Gostava de apertar-te ao peito, tanto, tanto
Numa afeição tão quente
Que, quando os corações batessem, por encanto,
Parecessem um somente.
Gostava de roubar a graça que levas
No rosto encantador,
P’ra ver se na minha alma que se embrulha em trevas
Havia mais fulgor.
Gostava de roubar os risos tão dispersos
Da tua boca em prece
E com eles compôr os mais sonoros versos
Dos versos que fizesse.
Quando me chego a ti e num arfar escuto
A voz que de ti parte,
Bate o meu coração duzentas por minuto
Num rútilo rebate.
Meu Deus, irei deixar o amor a que ando preso?
Porque me feres tanto?
Eu quase o idolatro, eu quase que lhe rezo
Como se reza a um santo.
Que fome tem o olhar! Vê-te sorrir e, à pressa,
Que encantos ele come! Que refeição frugal!
Porém, quando regressa
Já vem cheio de fome.
Quando eu me for sentar à beira da ilusão
Dirás lugubremente:
“-Por mim rasteja ali um pobre coração
Cansado e tão doente.”. »
Procurei por toda a parte e não encontrei o autor. Nunca tinha sido publicado. Era do Tio da Alma que me enviou este e outros tantos poemas feitos de uma sensibilidade atroz. Aqui confesso: não consegui conter as lágrimas. E é preciso "infinitos mais exércitos" para me descontrolar.
Um verdadeiro amante da nossa língua, da nossa Pátria. Ele e o Tio.
« É um nada Amor que pode tudo,
É um não se entender o avisado,
É um querer ser livre e estar atado,
É um julgar o parvo por sisudo;
É um parar os golpes sem escudo,
É um cuidar que é estar trocado,
É um viver alegre e enfadado,
É não poder falar e não ser mudo;
É um engano claro e mui escuro,
É um não enxergar e estar vendo,
É um julgar por brando ao mais duro;
É um não querer dizer e estar dizendo,
É um no mor perigo estar seguro,
É, por fim, um não sei quê, que não entendo.»
Eis se não quando recebo um exemplar do livro publicado com os poemas do Tio. Foi um dos melhores presentes de Natal jamais recebidos. O livro e a generosidade rasgada desta partilha.
Um alento. Para que continue a rezar e acreditar num Mundo Justo. Bom. Verdadeiro.