A Arte em Ser-se Livre
Liberdade, o elo que une todos os meus Eu.
Liberdade do pensar. Que seria de mim se poupasse nas sinapses, se não formasse uma opinião muito própria sobre algo, se um integral triplo não fosse simples de desvendar, se um poema não me fizesse sentido, se não troçasse da estupidez alheia.
Liberdade do sentir. Em mim não há espaço para censura. Tanto sinto que mereço tanto, como sinto que nada mereço. Tão viva me sinto num minuto, para no outro me sentir morta. Tanta saudade sinto, como facilmente me desligo no instante seguinte. E respeito cada tempo meu. Tempo de sentir amor, raiva, perdão, piedade, pena, orgulho.
Liberdade do agir. Nesta dimensão, e dado que as liberdades anteriores dominam, domina também o conceito mais puro de liberdade: termina onde a responsabilidade começa. A acção da liberdade implica assumir cada acto e responder pelos mesmos. Assumo tudo, incluindo aquilo que não sendo fruto do meu agir, aflige o mundo: carrego-o às costas. A culpa. Sempre presente.
Nada pergunto. Mas ouço com os ouvidos do coração o que me querem contar. Nada cobro. Mas recebo cada dádiva como se a recebesse das mãos de Deus. Dou muito de mim. Confiança. Compaixão. Carinho. Mas o mais puro pedaçinho de mim que dou ao Outro é Espaço. Tempo. Liberdade. É a maior demonstração de respeito que podemos ter pelo Outro.
Pela negativa, liberdade é a ausência de submissão, servidão, qualificando a independência. Pela positiva, é autonomia e espontaneidade, qualificando a condição do comportamento humano voluntário e, aproximando o homem de si mesmo, motiva-o na sua auto-estima.
E isso eu tenho de sobra. Conheço o peso do meu valor, a importância das minhas palavras no mundo, a minha graça na vida dos que amo, as cores que dou ao negro, o calor do meu toque. Sei que, profunda ou superficialmente, toco o Outro. Mas toco. E o Outro não será o mesmo depois de mim. A profundidade com que o Outro se sente tocado depende apenas da sua percepção. E esta, por sua vez, altera-se tanto ao longo da vida...
Anos mais tarde, voltam a mim Outros que pensei ter perdido, que pensei não ter marcado, pelo menos não tão profundamente. E rimos de outros tempos. E temos vontade de voltar atrás e mudar a nossa percepção de valor naquela altura. Porque hoje sabemos a importância de ontem e ontem não sabíamos. Nem tinhamos como, pois que não tinhamos vivido tudo. E, como dizia uma irmã e um pensador, "todo o conhecimento genuíno tem origem na experiência directa".
Descartes concorda comigo: age com mais liberdade quem compreende plenamente as alternativas em escolha, porque mais facilmente se escolhe essa alternativa.
E porque quem não vive não conhece, a verdadeira liberdade está em deixar voar para bem longe aquilo que mais se quer. E não esperar que o vento a traga de volta. Se não voltar - mais são as vezes que se perde que as que se ganha - é porque não viveu ainda o suficiente para saber que tem de voltar.
A Verdadeira Maravilha acontece quando o Eu encontra aquilo que procura no Outro (e vice-versa) ao mesmo tempo e ainda nesta vida.
Por isso, Deus nos dá uma outra vida. Para termos tempo de acumular aprendizagem e voltar àquilo a que pertencemos, para o propósito para que fomos criados. Na eternidade.
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