segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Ensaio sobre a Lucidez


Tratando-se de uma continuação de Ensaio sobre a Cegueira, consigo subentender o fio condutor, não na vida daqueles 7 condenados, mas na podridão a que a humanidade consegue descer.


Um Presidente da Câmara compassivo, um Presidente da República com sede de poder (parafraseando, só corta fitas e faz discursos), um Primeiro-Ministro "trata-me disto", um Ministro do Interior maquiavélico, um Comissário com bom coração.


Entende-se, ao longo do desenrolar da trama, que neste mundo em ninguém se deve confiar.


Penso ter descoberto a razão pela qual amo a escrita de Saramago: ele fala com as palavras que os meus Avós usavam quando eu era minúscula. Pérolas como "avonde", "cautela", construções frásicas bizarras como as deles, quase todos analfabetos. Tenho tanto medo que esse tempo antigo se perca com a morte de Saramago, quase tanto medo quanto aquele que tive quando vi extinguir-se, uma a uma, a chama das vidas dos meus tão estimados Avós.


De qualquer forma, o livro acaba como as músicas dos Kaiser Chiefs: sem ninguém esperar.


Um dia, também eu gostaria que alguns dos meus votos em branco fossem expressão do descontentamento geral. Um dia, gostaria que a Anarquia fosse, sem sombra de dúvida, o "regime" por excelência.


Mas Anarquia, no senso comum, é tão pejorativo, que vos convido a ler e a alcançar uma nova visão sobre o assunto, uma mais informada, que não vos dê um calafrio espinha acima.
Em Ensaio sobre a Lucidez entende-se que o povo viveria bem num sistema anárquico. Os-que-mandam é que não aguentariam tanto respeito, tanto civismo e teriam, como as personagens, de sabotar cada gesto grande e generoso, causando o pânico, o medo, a derrota desse "sistema" perfeito de respeito pela liberdade.


Ninguém faria mal a ninguém. Nem mesmo sem ser "por mal".

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