sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O Tecido Mais Rico do Mundo...


Por ser meiga mas frontal

Por ser doce e esforçar-se por disfarçar

Por ser minha siamesa no que toca a gostos requintados

Por nos confundirem a voz

Por nos trocarem os nomes

Por ambas amarmos loucamente as nossas irmãs

Porque as nossas irmãs nos adivinham os pensamentos

E presenteiam-nos com surpresas iguais sem nunca se terem conhecido

Por ser a parte racional que eu não quero ter

Por eu ser a parte emocional que ela esconde

Pelas ordinarices implicitas que ela declama numa conversa de sala

E que jamais me ouviria proferir



De todas as amizades que fiz na vida, e graças a Deus são uma dezena de almas boas, esta destaca-se pela espontaneidade com que nos ligámos, como se nos conhecessemos de outros arraiais!


Para a Vida, assim espero!


O Tecido Mais Rico do Mundo?!?


...a Fazenda, claro!

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Vou sabendo de ti


A maior parte dos dias passam, passando também a oportunidade de te ligar para saber da tua vida, das tuas esperanças.


Não quer dizer que não pense em ti, muito pelo contrário.


Quase diariamente vou jantar a casa dos meus Pais e estou um bocadinho com a tua Mãe. A maior parte das vezes ela está sozinha. E fala, fala, fala. E eu sinto-me bem. Sinto que sou uma companhia que ela tem prazer em receber. Sinto que precisa de atenção e mimo e lá estou eu para isso. Gosto de a ouvir falar. Mas gosto sobretudo do respeito e admiração que ela tem por mim. Trata-me mais como amiga que como "filha adoptiva". Dá-me os melhores conselhos e respeita as minhas opções de vida, que têm tanto de invulgares como de incomuns. E eu admiro-a por isso. Falamos de ti. Sempre. Vou sabendo de ti.


Também contribuo para o Analytics visitando o teu blogue com a minha fidelidade diária. Vou sabendo de ti. Adivinho coisas que não escreves mas sentes. Vou sabendo de ti.


Ligo-te amiúde. Sempre conversas tão profundas e ricas de sentido. Orientadoras. Encaminhadoras. Hoje falámos. Hoje sou mais forte. Vou sabendo de ti.


Todos os dias da minha vida, desde que nasceste, que partilho tudo contigo. Os nossos brinquedos, a nossa Mãe, a nossa Irmã, o nosso almoço, alguns jantares comemorativos e outros tantos de "rapa tacho", os trabalhos de casa, a boleia para a escola, alguns amigos, as férias no Algarve, as birras que tínhamos uma com a outra, a facilidade com que as esquecias passados 3 segundos, a brincadeira do Restaurante do Podim, a do banho do flanzinho, as Barbies, os jogos intermináveis de xinxón, o stop, a macaca, os baloiços, o meu Pai a arrastar-te pela relva, presa pelos braços, para te tirar a areia dos pés (tal como fazia à R, ao M, à P, a mim e até à maluca da S). Tenho saudades desses tempos. Nem tu sabes quantas.


Sentimentos, sensações, esperanças, sonhos e futuro partilhados. Vou sabendo de ti. Um pouco todos os dias. Muito devagarinho. Até ao dia em que formos muito velhinhas, desdentadas e esquecidas. Tão velhinhas que só nos vamos lembrar de quando éramos crianças. Até mesmo depois que Deus nos leve. Até aí...


...vou sabendo de ti...


Nos entretantos, vamo-nos estrampirando por aí, nas nossas tão amadas corridas! Até sábado, minha Irmã!


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mudanças


Quando menos se espera, acontecem sempre coisas surpreendentes! A supresa é que pode ser boa ou má...

Então não é que me mudaram de Direcção novamente?!? Ao que parece, os chefes lá em cima pensam tão bem de mim e da minha competência que designaram que eu estaria subaproveitada, numa área que me dava pouca visibilidade e pouco crescimento técnico e profissional.

Pois bem, e como desempenhei com louvor e distinção as primeiras funções que me foram incumbidas quando entrei nesta casa, querem de mim que volte a fazer exactamente o mesmo.
Vá, com algumas nuances: irei gerir comercialmente e processualmente os clientes da Região Autónoma dos Açores, o que irá implicar constantes e longas deslocações a essa terra de um verde como não existe na palete do mais brilhante pintor.

Seria sonhar muito alto, se ao menos me tivessem perguntado o que é que eu desejava para mim...
Mas os meus sonhos são bem mais altos do que aqueles que eles conseguem imaginar...


Um dia lá estarei, mais perto do céu, e não me esquecerei jamais de quem me estendeu a mão, me acarinhou, me reconheceu e me valorizou.


So help me God!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A Festa dos meus 30 anos

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Élace


Tenho uma nova razão para viver...a Luna!


Ontem o veterinário criador trouxe-a mais às irmãs num saco de viagem próprio. Peguei na que tinha escolhido por fotografia, por me parecer a mais espevitada. Tremia por todos os lados, o seu coração ia a mil...


De repente, gata de monte alentejano, nada habituada ao bulício da cidade, encandeou-se com as luzes de uma carrinha e fugiu-me do colo num ápice. Correu pelo jardim fora, meio perdida. 4 pessoas no seu encalço e não conseguimos apanhá-la, a não ser quando se foi esconder perto do motor de um carro estacionado.


O seu primeiro sujo de carro...


Muito curiosa, deixei-a ficar por uns tempos no transportador para que se habituasse ao cheiro lá de casa...ao meu cheiro.


Estivemos as duas a ver o Sexto Sentido, ela na caminha dela com a minha mão sobre o seu corpo e a ronronar.


Tentei que comesse mas nada...beber nem pensar. Deixei-a na caminha dela, com o coração partido e fechei-a na ccozinha. Fui ler o livro de fio a pavio. Deixei a porta do quarto aberta, para ouvir caso ela miasse. Nada. Nem um som.


Às 5 e tal da manhã levantei-me e, pé ante pé, fui espreitar...lá estava ela, alerta, de cabeça levantada. E eu, tonta, a pensar que a encontraria a dormir profundamente...Deu-me a ideia de que não deve ter pregado olho. Molhou a caminha dela, tamanho o susto de se aventurar ao areão mesmo ao lado...


De manhã consegui que comesse, mas nem uma gota de água bebeu...estou preocupada!


Hoje vou almoçar a casa só para a ver!


I'm in love you see...




quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Invicta


Ontem recebi a convocatória por parte da minha Chefe (que digamos também foi apanhada de surpresa), e hoje lá vim eu apagar o fogo!


Às vezes penso como seria tão mais difícil se tivesse que me preocupar com o marido e os filhos que deixo em casa, e da ginástica de planeamento que exigiria esta pequena viagem a trabalho de apenas um dia...


E fico contente honestamente, por não ter de me preocupar com mais do que um simples telefonema à Mãe e outro ao Pai, só para os sossegar e dizer que cheguei bem. Afinal de contas, eles sabem bem que a sua filha tem uma veia de Carlos Sainz..


E desta vez, parece-me que me vou aborrecer com as autoridades. É que, no final das obras de alargamento do troço sul-norte, entre Santarém e Torres Novas, estava um carro da GNR (armadilhado com radar, de certezinha absoluta, e que me caiam os dois dentes da frente se não estou a dizer verdade)...e eu ia a nada mais nada menos que 130 Km/h...ora bem, vamos lá fazer as contas...era uma zona de 80Km/h, "portantos" eu ia a mais 50 Km/h do que devia, pelo que, se não estou em erro, isto é uma "Muito Grave".

Vou ficar sem carta durante uns tempos, parece-me. E pior que isso, a matrícula é de um dos carros da frota da empresa, isto é, vou levar com uma reprimenda do Céu.


Estou frita.


Anyway, isto tudo para dizer que adoro os meus colegas do Porto. Sempre que me vêem chegar pela porta de vidro, ficam em êxtase total. Tratam-me sempre tão bem...o que me leva a pensar que, das duas uma: ou eles são genuinamente boas pessoas ou então eu devo tratá-los nas palminhas. Cá para mim, é um pouco das duas. Não os vejo tratar assim outros colegas de Lisboa e muito menos outros colegas do Porto.


Há que semear para colher...


E hoje, com este dia de sol radioso, vamos almoçar todos "na Praia", como eles dizem. Eu cá diria junto à praia, mas eles gozam comigo...


Esta cidade tem o seu Encanto. Um Encanto luminosamente escuro, de cultura e bom garfo, de loucas saídas à noite e longas passeatas à beira mar, pela zona da Foz.


Torna-se incrívelmente bela quando à nossa visão se junta a paixão imensa por um Portuense e Portista.


Lembro-me tão bem como se fosse hoje, daquilo que senti quando andei 12 Km entre Matosinhos e a Ribeira, em pleno Verão debaixo de um sol impiedoso, e parei para ler as últimas páginas d'"As Intermitências da Morte", acompanhadas por uma imperial e bons tremoços...


Tudo era brilho naquele Douro. E em mim...








segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

União Zoófila


Os meus grandes amigos, P, H e I fizeram uma joint venture para me oferecerem aquilo que mais queria como presente de aniversário: um(a) gatinho(a)!



Desde miúda que criei uma empatia especial com gatos, que nunca consegui criar com cães. Não que não goste de cães, antes pelo contrário, amo cada criatura viva.



Mas a minha falta de empatia com cães deve-se a um longo historial:



# 1 - Em pequena, durante as férias, havia, em casa dos meus avós maternos, um pastor-alemão extremamente perigoso, o Rex, que não tinha respeito por ninguém, excepto a quem lhe levava comida. Um dia, soltou-se e mordeu umas visitas que os meus tios recebiam. Tivemos que nos trancar em casa enquanto o cão estava solto, e resistir às suas investidas sobre a nossa porta. Assustador, para uma miúda de 6 anos, já de si medrosa .



# 2 - Em férias, os meus Tios tinham sempre em casa o hábito de ter um cão de companhia. Como não me conheciam bem, o tempo de habituação era sempre imenso e, como os cães sentem o medo, estava sempre em desvantagem em relação a uma possível aproximação. A seguir ao Rex, veio o Pucky, um boxer, depois um salsicha que não me lembro o nome, depois a Fera, outro pastor-alemão e por fim a Shen, uma labrador castanha de olhos claros. Linda!



# 3 - Durante o ano, e a partir dos nossos 15 anos, a minha amiga I tinha o Spa, um cocker spaniel dourado, muito burro mas muito afectuoso. Como o conheci em bebé, estabeleci as regras desde o início. Quando me via, não me saltava com as patas para cima e não me dava lambidelas. Ao contrário, quando sentia que devia, chegava-se ao pé de mim e baixava a cabeça. Aí sim, dava-lhe festinhas intermináveis e às vezes, em lucky days, deixava-o saltar para o meu colo. Tive um desgosto enorme quando ele se foi. Agora a I tem o Blackie, outro cocker spaniel, mas azul ruão. Em brincadeira, digo que é um Spa mas queimado.



# 4 - Um episódio traumático. Vinha da escola, nos meus 12 anos com o meu bom amigo (quase-irmão) B, quando um cão se solta da trela do dono e vem cravar os seus dentes pontiagudos na minha perna. Era um pastor-alemão. Dor lancinante.



So, embora os ame enquanto criaturas, temo-os (agora menos, que cresci).



Gatos sempre tiveram especial empatia comigo e eu com eles. Gosto da sua suposta independência, do alto da sua soberba. E gosto das suas reacções imprevisíveis. Vêm pedir colo e festas quase magneticamente. Admiro-os e não é de agora.



# 1 - O primeiro (e único) gatinho que tive veio ter a casa dos meus avós paternos e era de pelo branco e grande, olhos azuis. Dei-lhe comida e confiei na minha Vó E para tratar dele enquanto estivesse em Lisboa (devia ter os meus 9 anos). No Natal, deu-me a triste notícia de que o pastor-alemão do vizinho o tinha levado pelo cachaço com muita convicção e que ele, o Gato, não tinha resistido.



# 2 - P tinha a gata mais querida do mundo, a Paulina. Era branca e preta. Um doce. Convivi com ela quase diariamente durante 4 anos. Infelizmente adoeceu e já não está entre nós.



# 3 - Depois houve a Cuca Maluca, uma gatinha completamente desvairada e selvagem. Só P a conseguia trazer ao colo e fazer-lhe as judiarias do costume.



Por isso, sempre tive o sonho de ter um. E estes meus amigos sempre souberam disso. Agora, andaram à procura, que nem uns perdidos, de um gatinho pequeno para mim, mas não conseguiram encontrar. Ao que parece, as gatas costumam ter o cio em Fevereiro/Março, pelo que dificilmente arranjariam gatinhos pequenos por esta altura. E depois, houve o Natal...



Em desespero de causa, decidiram ir à União Zoófila, em Sete Rios. Acompanhei-as, quando me contaram a enorme surpresa que me estavam a tentar preparar.



Estacionámos o carro à porta. Uma confusão reinava e um cheiro pestilento pairava no ar. Para ir ao Gatil, precisamos de atravessar quase todo o canil. Só no espaço da entrada estavam pelo menos 10 cães com o ar mais infeliz do mundo. Eram todos rafeiros, com o pêlo mal tratado, definhados e magros, com olhos carentes. Partiram-me o coração. Outros havia confinados em pequenas boxes de arame, mais violentos ou em recuperação. H reparou num que tinha o pêlo completamente queimado. I distribuia as suas festas a quase todos os que encontrou. Eu estava em estado de choque. O cenário era um murro no estômago. São cerca de 600 cães, encontrados ou salvos dos carrascos do Canil da Câmara Municipal.





Enfim, passando para o Gatil, reparámos que as condições melhoraram drasticamente. São cerca de 200 gatos, mas o espaço mais arrumado e limpo. Os gatso aparentemente menos carentes. Too late! No sábado, havia 3 piquenos gatos que tinham sido doados. Os gatinhos "é" como as crianças para adopção: os bebés têm mais "saída". Dos crescidos, havia os saudáveis, os infectados com FIV (a SIDA dos gatos) e os doentes com FELV ( a Leucemia dos gatos). Ainda esperei que houvesse algum, doente ou não, que me falasse ao coração, mas não. Talvez o meu coração tivesse ficado momentaneamente morto só de ver os coitados dos cães. Decidi pensar.



Hediondo, o Homem. Crueldade. Desumanidade. Falta de civismo. Desresponsabilização. Desolação. Como pode haver alguém que acolha um animal e depois o abandone à sua sorte?

E como pode uma organização que trabalha arduamente em prol dos direitos dos animais não ter apoio nenhum do Estado, dependendo apenas de "mecenas", patrocinadores e sócios ausentes? E pior, o Estado ocupar-se em abater os animais abandonados, em vez de gastar o mesmo dinheiro em educação cívica (quase que escrevia física - também precisavam!)...



As quotas, caros ouvintes, são de apenas €25 anuais. O que custa isso? São só dois almoços...



Eu vou!!!!




sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O Céu é o limite?


Ouvido de tísica talvez. O seu ouvido está afinado às variadíssimas frequências a que o som se propaga no ar, das maiores às menores. Sobretudo se esse mesmo ar for todo dela. Quem diz ar, diz tempo. Quem diz tempo, diz espaço.



Sentiu o elevador subir ao ribombar descompassado do músculo. Rodou a chave, expectante.
- Que querida! Tu trancas-te! [Com ar de miúdo trocista]
- [Silêncio. Cala-te!]


Silenciou-o. Agarrou-o pela gola do casaco e beijou-o como se amanhã nunca viesse. E amanhã nunca chegou, mas ela ainda não o sabia.


Atirou-lhe o casaco para o fundo do abismo, sabendo que se desfazia de um colete à prova de bala. Desejava atingi-lo bem no centro, bem no meio daquele coração com uma bala que lá se alojasse e nunca mais de lá saísse. Era uma vez uma gravata. Tacteou o inimigo seguinte: a camisa. Em compasso de espera, já não sentia os seus tentáculos em forma de mãos. Não entendia.
- Botões de punho.
- [Diz antes algemas! Não tenho a chave! Temos pena!]


Tantas décadas depois ainda se lembra do toque suave da seda daquela camisa de riscas verdes, amarrotada agora nas suas mãos.


Abraçou-o, com os braços e as pernas da alma. Ardia. Queimava. Sofria uma agonia indelével. Devia chamar-se desejo inexorável, mas não sabia. Raiva, talvez. Não o sabia ainda.


Queria fazer parar o tempo. Queria livrar-se do fogo que a consumia. Sentiu no escuro a mesma procura, a mesma entrega, como se tivesse descoberto parte de si perdida no mundo. Como se tivesse sido achada.
-[Toma tudo que é teu.]

Ele tinha o dom da omnipresença. Sentia-o em todo o lado, dentro e fora, esquerda e direita, no hemisfério ou fora dele. Impossível seria não o sentir, pois que ele nasceu para a arte dos sentidos. Torturaram-se mutuamente, com beijos que doíam e costas cravadas de ternuras e nucas decepadas de cabelos. Palavras loucas disparadas em flecha sobre a sua memória.
- Sabes tão bem.
- [Se te pudesses provar a ti...]


Ele tinha o dom da palavra. Sabia sempre o que dizer, mesmo quando nada dizia. Ela desejou ardentemente saber acompanhar. Dizer. Eternizar. Como poderia ela articular palavra provida de sentido? Estado de choque. Emudeceu. Falava mas os sons não saiam. Falava em suspiros indecifráveis. Falava em olhares das saudades que já sentia.
- Tens uns olhos tão bonitos. E a boca...
- [Se tu olhasses os teus a olhar os meus...]


Ficaram enroscados num tempo que lhe pareceu eterno. Ela pousou-lhe a mão sobre as costas de veludo. Contou-lhe as vértebras em segredo, para ver se ele era mesmo humano.
- Tens as pernas tão suaves...
- [São as tuas mãos que o sentem...tudo depende do amor que trazemos nos gestos]

Pensou, vezes sem conta, ou pelo menos tentou, tal era o nó que lhe ia no cérebro, em qualuqer coisa que pudesse espelhar aquilo que lhe ia na alma. O coração? Bom, esse estava perdido para sempre. Nunca mais o achou. Talvez, se o tivesse encontrado, tivesse tido a clareza de espírito de falar com a voz do coração. Interrompeu os seus pensamentos.
- Vou fazer a única coisa que tu não gostas em mim.
- [Confusão. Estás a delirar? Haverá alguma coisa em ti que eu não venere? Enlouqueceu...]
- [Silêncio prolongado, sorriso trocista]


Assomou-se à janela na companhia esvoaçante do fumo do seu cigarro, in her shoes. Oxalá ela pudesse resgatar aqueles pensamentos na Pensieve e poder vivê-los agora. Enquanto isso, ela demorava-se nos seus pensamentos, que pareciam retornar como filho pródigo sempre que ele se ausentava.
- [Mas quem é a louca que deixa fugir este tesouro?]


Outra pessoa que não ele voltou daquela janela.
- Qualquer relação que tenha agora é para queimar...
- [Está na hora da despedida, bem sei! Vai e vive o que tens de viver... Um dia saberás que devias ter ficado...]


Porque o estar tão juntos nunca chegou.
Talvez na eternidade...












Faria hoje 33 anos...


Hoje, 8 de Fevereiro de 2008, é para mim um dia especialmente triste...

Foi o dia em que o meu querido querido Primo M nasceu. Ti P e Ti Z estavam grávidos de M quando se casaram. Ti P tinha apenas 17 anos. Ti Z tinha 21. Um descuido, mas um daqueles descuidos que os uniu para a vida inteira.

Eram muito novos os dois, cresceram juntos, trabalharam juntos, criaram os dois filhos juntos. Enriqueceram juntos, na saúde e na doença, na riqueza e na probreza. Penso mesmo que até que a morte os separe.

M sempre foi uma criança difícil de domar. Era autónomo, trabalhador, adorava o skate e a sua BMX. Ah, e torcer os caracóis à sua Irmã mais nova...Mais tarde, o body boarding, as festas, a Tuna e os Escuteiros.

Quando chegavam as férias, era altura de fazermos os 4 a cabeça em água aos meus Pais e avós maternos. Os meus Pais não me reconheciam. Nem à minha Irmã. No resto do ano, éramos como duas amestradas. Naqueles 3 meses ficávamos selvagens. Lembro-me até de fazer greve a pentear o cabelo.

Ele e a minha Irmã uniam esforços para nos derrubar, à minha Prima R e eu, fosse à luta ou em jogos de cartas ou mesmo ao STOP. Quando vimos que não lhes conseguíamos ganhar nem à força (dada a diferença de idades), R e eu começámos a construír unm espaço só nosso, onde eles não entravam. Nem queriam. Tinham lá as aventuras deles.

Houve uma altura, por volta dos meus 13, 14 anos (os dois melhores Verões da minha vida) em que a diferença entre mim e R era maior em termos de desenvolvimento (ela era uma criança ainda e eu começava a dar os meus primeiros passos no difícil caminho da adolescência).

Aproximei-me de M. E ele de mim. Comecei a saír com ele e com os amigos, todos rapazes. Até que me apaixonei por um dos seus melhores amigos, o Americano. E ele por mim. À primeira vista. Foi o meu primeiro Amor. Namorámos quase 4 anos. Não existia mais nada nem ninguém no mundo. Durante esses 4 anos escrevemos cartas um ao outro todos os dias. TODOS os dias. Ainda as guardo.

O Mundo encarregou-se de nos afastar. Nunca mais nos vimos...até ao dia derradeiro do funeral do meu querido M, 3 anos depois.

Dele recordo o enorme sorriso aberto, o som da sua gargalhada, a maneira como segurava a caneta, a seda do seu cabelo, a cadência do andar, o "comes é bolachas", o "peixe é pra gatos" na fase das 7 costeletas.

Tenho tantas saudades, Meu Deus!

Wherever you are, I'll forever keep a little piece of you!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Quaresma


"Quaresma é o nome que se dá ao tempo necessário para preparar os crentes para a grande festa da Páscoa. Durante este período, os seus fiéis são convidados a um período de penitência e meditação, por meio da prática do jejum, da esmola e da oração.


Começa na 4ªF de Cinzas (ontem) e termina no Domingo de Ramos. Ao longo deste período, sobretudo na liturgia do domingo, é feito um esforço para recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros fiéis que pretendem viver como filhos de Deus.


A Quaresma dura 47 dias, embora para o calendário litúrgico os domingos não contem, perfazendo então 40 dias. A duração da Quaresma está baseada no simbolismo do número quarenta na Bíblia que significa provação. Nesta, fala-se dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, dos 400 anos que durou o exílio dos judeus no Egipto.


A Igreja católica propõe, por meio do Evangelho proclamado na quarta-feira de cinzas, três grandes linhas de acção: a oração, a penitência e a caridade. Não somente durante a Quaresma, mas em todos os dias de sua vida, o cristão deve buscar o Reino de Deus, ou seja, lutar para que exista justiça, a paz e o amor em toda a humanidade. Os cristãos devem então recolher-se para a reflexão para se aproximar de Deus. Esta busca inclui a oração, a penitência e a caridade, esta última como uma consequência da penitência."


Iniciei ontem a minha Quaresma.


Como forma de jejum decidi não comer carne nem chocolate (embora ontem me tenha esquecido completamente e tenha prevaricado).


Como forma de esmola, decidi disponibilizar mais tempo e paciência para ouvir as pessoas que me procurem com os seus problemas. Dar a mão a quem mais precisa.


Como forma de oração e reflexão, decidi ler um pouco da Bíblia, um trecho ao acaso todas as noites antes de adormecer e reflectir sobre se os meus actos correspondem na realidade aos de um bom Fiél.


A parte da carne vai ser a mais difícil...mas com perseverança tudo se consegue...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Fim-de-semana Prolongado

Sábado, 2 de Fevereiro de 2008


Acordei com frio, semi-destapada. Tinha os ombros completamente enregelados…assim que recuperei a consciência entendi que a roupa que tinha na cama correspondia à última vez que cá tinha estado, ainda em Outubro, com um calor apreciável. Sempre pensei que voltava mais cedo, mas a vida é mesmo assim: imprevisível.

Aproveitei o facto de ter acordado, para roubar o edredão à cama da minha Irmã (há-de ser sempre dela, mesmo que já cá não durma faz tempo) e continuar o sono, desta feita mais quentinha, mas deu-me a espertina. Aproveitei para passar por bluetooth [lá estou eu a tocar com a unha do indicador no meu dente da frente] as fotos e os sons que coleccionei do telemóvel antigo para o novo. A verdade é que o antigo estava a precisar de reforma, mas eu apego-me tanto aos objectos que depois fico mesmo com muita pena de os ter de deixar.

Antes deste, que herdei da minha Irmã, tinha um lindo, branco, comprado por mim a muito custo ainda trabalhava na Consultora. Um mês depois, o raio do telemóvel já custava menos 100€. É assim a vida: resume-se a uma questão de timing. Lembro-me do “xitéx” da compra ser tão grande que, durante uma das secantes aulas da pós-graduação, tirei uma foto do meu colega do lado direito (JF) só pelo prazer de associar ao contacto. Muito nos rimos nós durante aqueles longos meses de trabalho duro. 5 dias por semana, 3 horas por dia, das 18h30 às 21h30 (se não estou em erro), durante um ano lectivo, isto se não contarmos com os 3 meses do trabalho final. Agora acredito mesmo que, por causa das pós e dos mestrados e dos MBA’s, acabem casamentos e namoros a uma taxa alucinante.


Anyway, adorava o telemóvel, tanto que foi testemunha do namoro com um dos colegas da pós, o Estropício nº 3, que atendia pelo nome de SB [sim, há quem coleccione selos, “do not disturb”s de hotéis, isqueiros, filmes… eu cá colecciono estropícios]. JF bem que tentava sucessivas aproximações, umas mais subtis que outras, mas por vezes há pequenos pormenores que excluem à partida um bom candidato. Não ajudava nada o facto de usar meias com personagens da Disney, por mais formal que fosse a sua roupa, por exemplo. Interessei-me, ao invés, por um homem misterioso que se esfumaçava junto do caixote de lixo, sempre vestido até às orelhas com o seu sobretudo azul-escuro e fato escuro por baixo. O JF fazia-me rir tanto quanto SB me intrigava. E onde há fumo há fogo.


O telemóvel branco começou a receber e enviar mensagens, a passar horas infindáveis em conversação, a tocar muito com aquela música horrorosa romena que estava na berra naquele Verão e que tanto o divertia…ai, como é que se chamava a música? A foto, não era da cara dele…era de uma tarde “Dame Blanche”, ou para os mais distraídos, “Quente e Fria” que passámos juntos, apaixonados na praia…era simplesmente a fotografia do mar da Caparica captado num qualquer instante de Novembro…


No último Natal, estava em cima da mesa da cozinha da casa da minha Irmã (o telemóvel banco) e teve o azar de estar perto demais da cena onde se desenformou o pudim de ovos…levou com o caramelo nas teclas. Desde aí, escrever uma sms passou a ser um suplício para as pontas dos meus dedos delicados. Houve também um episódio muito engraçado em que, numa das minhas corridas, o levei para cronometrar um tempo, e coloquei-o num local pouco apropriado onde agora carrego o iPod: entre os seios. Sim, leram bem. Dali não salta para lado nenhum, está suficientemente perto da mão para dar uma espreitadela em momentos de desespero…é o local ideal, até chegar a braçadeira que já devia estar disponível em http://www.apple.pt/, mas que teima em demorar. Só que virei o coitado do telemóvel com o visor contra a pele e ele encheu-se de humidade. Nunca mais foi o mesmo…


Troquei pelo da minha Irmã. Mesmo modelo, only black. Ela agora tem uma máquina fotográfica que também recebe e faz chamadas.


E agora, enchi-me de coragem para comprar o modelo que ando a namorar desde a minha primeira auditoria a uma conhecida operadora de telecomunicações (que não a minha) mas cujo preço desbloqueado era simplesmente exorbitante na altura. Nem pensar em mudar de rede outra vez. Out of the question. Passaram 2 anos. Agora a diferença de preço do terminal entre desbloqueado e associado à rede são apenas 10€. Sorri. Nem tudo na vida tem de ser tão difícil…
LG K800, vulgo, Chocolate…only white! É lindo, o meu “bebé”…


Glossário: em linguagem de IT, terminal é o nome que se dá ao aparelho receptor, vulgo, telemóvel.


Adormeci entretanto. Acordei [tenho o sono leve como uma pena] com a minha Mãe a puxar o estore do quarto dela para cima. Também se tinha deixado dormir. Tomámos o pequeno-almoço juntas no café da esquina e descemos a rua até ao mar. Ela foi comprar peixinho vivo para o nosso almoço e eu, fazer o que mais amo de momento e que me deixa lá nos píncaros da felicidade.

Comecei a uma passada pequena, porque marquei no iPod que o treino iria ser de 10Km…estava com a fezada toda! Estava um daqueles dias de sol encoberto, mas que reflecte no mar os raios. E aquele calçadão é lindo (se nos abstivermos de olhar para a monstruosidade do lado esquerdo)! Fui até onde existe calçada e voltei… passei a Praça, passei a Lota. Nenhum sinal da minha Mãe. Comecei a ver umas obras que descobri agora serem as futuras instalações da doca pesca. Parecia o Afeganistão. Depois encontrei a estrada alcatroada que o liga à minha Praia. Fui pelo passadiço de madeira até onde pude, contornei as ruínas do Nikki Beach e fui dar à Marina. Contornei-a, até ter de parar…já ia em 8 Km, mas depois encontrei um enclave de Optimists a prepararem-se para a regata e não havia como passar, sem ser devagar. OK. Parei. Average pace: 5’45’’/Km. Fiquei feliz.


Depois fui sempre andando até à Praia mais badalada de Vilamoura. Odeio aquela praia no Verão, mas enfim, no Inverno dei-lhe o benefício da dúvida e lá fui eu. Sentei-me no último degrau da pontezinha de madeira. Descalcei os ténis e tirei as meias…Oh, Meu Deus, os meus pezinhos de Princesa com uma bolha em cada pé…moved on… Fiz um daqueles nós nos atacadores dos ténis para poder levá-los aos ombros, como se vê nos filmes…


Ao primeiro toque, parece que a areia arranha os pés, mas depois começa a ser uma massagem revigorante…esgueirei-me até à beira-mar. A espuma cumprimentou-me. Fria, mas o céu para os meus pés massacrados. Depois comecei a habituar-me à temperatura. É espantosa a capacidade que o nosso corpo tem de se habituar às condições mais adversas. E o espírito acompanha. A mente é a última a ir, mas com uma boa dose de inconsciência também se treina. Andei uns bons Kms. Rodava em círculos só para ver o sol reflectir-se na água. Cantei a plenos pulmões a acompanhar a música que passava no iPod: Frou Frou e Imogen Heap…mesmo a calhar.

Juro que, se tivesse tido aquela pontinha de coragem, aquela pontinha de coragem que nos chega num instante de inconsciência, e nos faz, po exemplo, ligar a meio da noite àquele alguém que nos mora cá dentro a cada momento mas para quem nós bem sabemos que já morremos faz muito muito tempo, só para ouvir aquele timbre que ainda nos arrepia o escalpe [mesmo que a desculpa seja um simples e cordial café e que nos arrisquemos a levar um não redondo], ter-me-ia despido e mergulhado de cabeça no mar, tal era a grandeza tamanha da minha felicidade. Eu amo aquele horizonte e mais nenhum. Eu amo aquela calmaria de mar e nenhuma outra. O tom daquele mar. Mar dos seus olhos. Sei de cor cada onda. Cada onda do seu cabelo.


Vim a saber depois que a temperatura rondava os 17ºC, tal como tinha alvitrado.
Amanhã entro…




Domingo, 3 de Fevereiro de 2008





Não entrei coisíssima nenhuma…estava a começar a ficar com os músculos das pernas doridos e decidi give it a break for today.


Obrigações familiares. Uma pequena excursão de 2 lugares ao cemitério de Loulé, onde estão depositados em forma de campa o que resta do corpo da primeira mulher do meu Vô I (MT, se a memória não me falha), do meu Vôzinho, de quem apenas me lembro do seu sorriso franco e da sua incapacidade de conduzir respeitando as regras de trânsito e da minha Querida Vó E.


Todos os santos almoços dos nossos Verões de 3 meses eram passados à mesa dos meus avós paternos, nas Quatro-Estradas. No fim de cada almoço, havia que ir tomar o café fora. Lembro-me que, aos Domingos, o café do costume não estava aberto, por isso tinha de se pegar no carro para ir até à bomba da BP, que fica já na 125. Às vezes, o Vô I oferecia-se para nos levar (à minha Irmã, à minha Vó E e a mim). O Pai disfarçava, mas era sempre preciso levar dois carros e já nos tinha dito de antemão que sempre que fossemos com o Vô de carro era para pôr o cinto. O pior era que a 4L não tinha cintos atrás…


Por falar em 4L, quando tirei a carta, o meu sonho era que o Pai decidisse consertá-la para que eu a pudesse levar para Lisboa e usá-la como o meu primeiro carro, mas ele disse que aquela geringonça não andava há pelo menos 12 anos…e tinha razão. Ninguém lhe tinha pegado desde a morte do Vô. Continuava estacionada, tal qual a tinha deixado antes de lhe dar o AVC, na oficina onde ele passava os seus dias a inventar geringonças (tipo máquinas de depenar galinhas para ajudar a minha Vó na cozinha e motores para barcos de recreio – o primeiro barco de recreio do Algarve foi construído pelas suas prórpias mãos - ou carros de flores para a Batalha das Flores de Loulé – sim, na altura não se falava em Carnaval, mas sim em Batalha das Flores) e na carpintaria. Por isso, o conheciam por Zé Entrudo. O seu nome era I. O pessoal aqui e no Alentejo gosta muito de pôr alcunhas nas pessoas que depois ficam como nome. Não foi o caso. O Vô I casou com a minha Vó E, que também era Viegas de família, pelo que o meu nome vem dos dois.
Acho que herdei o meu espírito inquieto dele. Mas só isso. De resto não tenho, dizem, mais parecença nenhuma. Sou toda Caçadinha (vêem? Mais uma alcunha, desta feita do meu avô materno, Zé Caçadinho).

Da Vó E guardo muito mais coisas que apenas o seu sorriso… guardo a grossura dos seus pulsos e como ela gostava de usar religiosamente o seu relógio de correia negra. Guardo a lembrança dos seus grandes óculos, que eu teimava em manter impecavelmente limpos, gesto esse que continuo a fazer a quem mais amo no mundo. Guardo a recordação de a ir visitar, anos mais tarde, já adolescente com o meu namorado Americano, e de a encontrar invariavelmente deitada na salinha a ver televisão (a mesma que está em minha casa actualmente e que funciona às mil maravilhas, mesmo tendo mais que 15 anos). Lembro-me do cheiro da casa e de como costumava brincar no portão de ferro. Lembro-me de lá ter adoptado o meu primeiro gatinho branco e de ele ter sido colhido por um pastor alemão. Raios partam todos os cães deste mundo! Ainda me lembro de certas expressões que ela usava muito como “o dedo miminho”, o “pexinho”, “ai, esta moça ‘quena”. A Vó E sabia escrever e tudo. Era menina de famílias abastadas. Menina rica, segredava-me a Vó P ao ouvido. Escrevia orações em pequenas folhas de linhas e dava à Mãe para termos sempre no carro: São Cristovão protegia os viajantes.


Lembro-me de como ela pousava os braços na cadeira quando se sentava, de como ela punha a mão para puxar os óculos para cima no nariz, de como ela inclinava a boca no sentido da nossa bochecha para nos cumprimentar com beijinhos, de como enrolava os dedos dos pés dentro dos chinelos no Verão, lembro-me das manchas de velhice nas suas mãos e da sua enorme papada no pescoço. E lembro-me de que sempre usou o cabelo curto e escorrido. Aos 86 anos, apenas tinha uns míseros cabelos brancos nas fontes. Toda a restante cabeleira fininha era escura como a noite. Infelizment, não herdei a sua cabeleira. A minha é igual à da minha Mãe, que por sua vez, é igual à da minha Vó Palmira: farta, crespa, cheia de remoínhos e branca. Lembro-me que nunca a vi de calças nem de pijama. Herdei dela a mania do saco de água quente.


Lembro-me de como ela sempre vinha à porta, fizesse chuva ou fizesse sol, acenar-nos adeus sempre que partíamos. Já nos íamos embora, quando ela “dava de vaia” ao meu Pai para lhe dar um último conselho de Mãe. Elle ficava completamente abespinhado, mas lá abria o vidro sem paciência nenhuma para a ouvir.


Herdei a mobília que o meu avô talhou com amor à minha avó. Uma cama, duas mesinhas de cabeceira, um toucador com um enorme espelho, um roupeiro e uma cómoda. Da sala de jantar, herdei a mesa e as cadeiras e mais duas cristaleiras. Lindas. Um dia, quando Deus quiser, vou restaurá-la. Herdei ainda um par de brincos em ouro branco e brilhantes que Vó E trouxe da Venezuela. Só os uso em ocasiões especiais. A minha Irmã preferiu os redondos simples. No seu casamento, usei os segundos, os preferidos da minha Irmã e ela, por sua vez, usou os da Vó P.


A campa deles está sempre impecável. Tirei a vela gasta do candelabro e acendi uma nova. Cortei as ervas e flores que teimam em crescer na terra à volta. Ajoelhei-me. Pelo sinal da Santa Cruz, livre-nos Deus Nosso Senhor, Dos nossos inimigos, Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen. Pai Nosso. Avé Maria. Glória ao Pai. Sinal da Cruz. Minha Mãe e eu éramos as duas únicas pessoas dentro daquele cemitério. Nem vislumbre do coveiro. Era cedo, pensei.


Depois a excursão continuou, mas para o Cemitério de Quarteira. Gaveta do Vó Z. Gaveta da Vó P. Oração prolongada. Gaveta do M. Jazigo do Ti E. Campa da Vó P. 4 gerações de mortos. Oremos ao Senhor e demos Graças por descansarem na Paz do Senhor e por continuarem a olhar por nós, lá de cima. Sobre os Caçadinhos falarei mais adiante, num outro post, num outro dia.


Depois disto, que é sempre extremamente doloroso, desanuviámos com uma ida ao Horto da Fonte Santa. Comprei uma Yuca para a minha sala. Linda. Parece uma palmeira só que não é. E comprei, para substituír a orquídea que assassinei, uma espécie de couve roxa não comestível. Exótica.


Passámos em casa da Prima Lurdes. Colhemos limões e clementinas.

Almoçámos os melhores salmonetes do mundo (o meu peixe predilecto) com saladinha de alface e coentros, batatinha cozida com pele e o belo do pão alentejano a empapar o azeite, mas só por cima da batata. Só os montanheiros (toda a gente criada acima de Loulé) é que cometem o crime de temperar o pexinho.


Ao fim da tarde comecei um dos melhores livros que já li…mas sobre isso falo amanhã.




Segunda, 4 de Fevereiro de 2008




"A História do Amor” de Nicole Krauss

Este livro foi-me apresentado por MT, a minha colega do lado, com uma frase que me deixou com a pulga atrás da orelha: disse-me que este livro continha o nosso tipo de humor, aquelas piadas de que só ela e eu nos rimos. Não lho disse, mas fiquei surpreendida com o facto de este ser um traço de personalidade por ela denotado e apreciado.


Não tenho pretensões de elaborar uma crítica ao livro. Apenas queria aqui deixar ficar umas quantas das minhas frases predilectas e fazer um breve resumo da história. Ah, e enaltecer o belíssimo trabalho do tradutor, Miguel Serras Pereira, cujo trabalho muito admiro.


O resumo: Um velho judeu, com medo de morrer sozinho, enfrenta com um humor muito especial os seus últimos meses de vida, junto ao seu amigo e vizinho de longa data. A história entrelaça-se com outra de uma menina de 14 anos, Alma, cujo nome foi herdado da personagem de um livro que seu falecido e venerado Pai oferecera a sua Mãe e que era o livro do seu amor. Outro mosaico aparece ainda, narrado pelo pequeno irmão de Alma, que julgava ser o novo Messias. E, por fim, outro mosaico narra a história do suposto autor do célebre livro. Esqueci-me apenas de dizer que as histórias cruzam-se e entrelaçam-se em tempos distintos, como se fosse um policial cuja narrativa avança e retrocede.


Comecei-o ao fim do dia,no conforto preguiçosos da minha cama. Li mais um pouco na manhã seguinte, numa cadeira de esplanada enquanto fazia fotosíntese, depois de ter corrido 8 Km. Acabei-o ao pôr do sol, junto à praia.

Passagens predilectas:
«A primeira linguagem que os humanos tiveram foi os gestos. Não havia nada de primitivo nesta língua que brotava das mãos das pessoas, nada que hoje se diga que não pudesse ser dito nesse imenso rol de movimentos possíveis com os ossos finos das mãos e dos dedos. Os gestos eram complexos e subtis, envolvendo uma delicadeza de movimentos que se perdeu completamente desde então.

Durante a Idade do Silêncio, as pessoas comunicavam mais e não menos…»

«…Naturalmente, também havia mal entendidos. Por vezes, um dedo podia ser erguido apenas para coçar o nariz, e no caso de haver contacto visual fortuito com um amante nesse preciso momento, então o nosso amante poderia tomar acidentalmente esse gesto, em tudo idêntico, ao que usaríamos para dizer, Agora percebo que fiz mal em amar-te. Esses mal entendidos eram de partir o coração. No entanto, como as pessoas sabiam como era fácil eeles acontecerem, como não viviam na ilusão de se entenderem perfeitamente umas às outras, estavam habituadas a interromper-se umas às outras para perguntar se tinham entendido bem. Às vezes estes mal entendidos eram até desejáveis, pois davam às pessoas o ensejo de dizer, Desculpa, estava só a coçar o nariz. Claro que sei que fiz bem em amar-te. Devido à frequência destes erros, com o tempo o gesto para pedir perdão evoluiu para uma forma mais simples. O simples gesto de abrir a palma da mão passou a querer dizer: perdoa-me.»

«Morreu sozinho, porque tinha vergonha de telefonar a alguém.
Ou então morreu pensando em Alma.
Ou quando decidiu não o fazer.
Na verdade, não há muito mais a dizer.
Era um grande escritor.
Apaixonou-se.
Foi a sua vida.»

Terça, 5 de Fevereiro de 2008




Acordei com o chilrear dos passarinhos outside my window. Tomei uma enorme taça de cereais, vesti o equipamento e decidi ir correr novamente, desta feita, para a Quinta do Lago.

Tem lá uma ecovia muito engraçada, feita de terra batida, entalada entre a praia e a Ria. Amo aquele sítio de paixão. Mas hoje, como os tornozelos não estavam lá muito finos, corri só 5 Km. Já estava a arrastar-me nos momentos finais da corrida, mas fiz uma boa passada. Encaminhei-me para a velha ponte de madeira que liga o Hotel ao Gigi. Sentei-me no úlitmo degrau de madeira, descalcei os ténis, tirei as meias…Oh, Meu Deus, as bolhas estão enormes!


Enterrei os pés na areia quente, desenlacei a camisola da minha cintura, senti as pingas de suor escorrerem rosto abaixo. Uma família de estrangeiros (loiros) fazia um enorme buraco à beirinha. Caminhei em direcção ao sol, para junto do mar. Molhei os pés na espuma fresca. Hoje seria um bom dia de mergulho, não fosse eu ter um medo terrível de praias não vigiadas. Medo ao mar. Não tive coragem!

Ao invés, depositei-me que nem um fóssil na duna e fiquei ali, deitada em conchinha, virada para o sol…quase adormeci, embalada pelo vai vem inebriante das ondas, tamanha a Paz.